O presidente da Câmara Municipal de Mosteiros foi convidado para animar uma palestra sobre o pensamento de Amílcar Cabral organizada pelo Conselho de Setor do PAICV- Mosteiros.
O evento teve lugar no salão nobre da Câmara Municipal, na manhã deste domingo, 20, dia dos Heróis Nacionais.
Eis a intervenção de Carlos Fernandinho Teixeira:
“É com muita honra e com alto sentido de missão que participo, nesta importante Semana da República, nos atos do Dia dos Heróis Nacionais, refletindo convosco a gesta da libertação e da independência de Cabo Verde, assim como olhando em perspetiva do tempo e do espaço o legado de Amílcar Cabral e dos Combatentes pela Liberdade da Pátria.
Quero, por isso, saudar todos, e comungar convosco este afã de celebrar os Heróis Nacionais e de memorizar Amílcar Cabral, figuras diletas ( estimadas) do nosso processo histórico e que abriram os espaços determinantes para que hoje fossemos soberanos e pudéssemos viver em democracia, assumindo como meta possível o desafio do desenvolvimento sustentável.
Por estes dias, por conta do 13 de janeiro e do 20 de janeiro, a Semana da República, temos dito celebrações oficiais, discursos de circunstância, palestras e oficinas para reflexão, em Cabo Verde e em todos os lugares onde estão os cabo-verdianos, nas ilhas e no mundo. É um tempo de abordar as gestas para a soberania e para a democracia, não deixando, por imprudência histórica e alguma incúria ao sentido de estado, uns e outros quererem açambarcar ( desprezar) estas duas datas, patrimónios do Povo de Cabo Verde. É tempo de introduzirmos nesta Semana tão importante o pensamento crítico e necessário sobre as nossas realidades neste século XXI, trazendo obviamente à colação os rasgos históricos matriciais que as duas datas sugerem. Hoje, centrar-nos-emos a olhar para Amílcar Cabral e para os Heróis Nacionais, que desta tribuna honramos e prestigiamos, com sentido deste nosso tempo e com os desafios que não podemos deixar de vencer.
Não podemos neste 20 de janeiro deixar de olhar para o retrovisor da história e alcançar a triste data em que Amílcar Cabral foi assassinado em Conacri em 1973, nem podemos deixar de recuar aos anos de 1956, quando ele e mais companheiros (como Aristides Pereira, Fernando Fortes, Luís Cabral, Júlio Almeida e Elysée Turpin) fundaram o PAIGC, partido que lideraria a gesta de libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, naturalmente revivendo historicamente os grandes e heroicos momentos subsequentes como a independência da Guiné-Bissau em setembro de 1973, a revolução dos Cravos em Portugal em abril de 1974 e a independência de Cabo Verde em julho de 1975.
Todavia, este nosso olhar retrospetivo não pode ficar circunspecto à luta de libertação e à materialização das independências políticas dos nossos países, metas constantes no “programa mínimo” do PAIGC, porquanto no seu “programa máximo”, como no-lo vaticinava Amílcar Cabral, estaria implícito a democratização, feito realizado pelo povo cabo-verdiano a partir dos anos noventa do século passado, com o advento da Segunda República, e o desenvolvimento, desafio que hoje convoca a todos nós e que visa criar “uma outra terra na nossa Terra”, também como visionava Cabral.
Hoje, é também dia de nos refletirmos para além do Feriado Nacional do dia 20 de Janeiro, enquadrado na Semana da República, porquanto os Heróis Nacionais e Amílcar Cabral, que os arregimentou para a gesta da Libertação Nacional, mantêm-se como afrontamentos políticos necessários e a convocar a juventude cabo-verdiana para a ideia de que a Libertação é um processo continuado e, por isso, ainda em aberto.
Ao recuarmos na nossa História, teremos não só a visão panorâmica do percurso realizado por homens e mulheres na redefinição de um Cabo Verde maior e melhor, como uma noção crítica das questões deste novo tempo e dos desafios do devir. O pensamento de Cabral ajuda-nos a olhar para a nossa época como um compromisso a viver e os desafios, conquistada a soberania e consagrada a democracia, são os de desenvolvimento sustentável, com bem-estar social e qualidade de vida para todos. O ensinamento de Cabral projeta-nos para um assumir a nossa época, com a exemplaridade outrora dos Heróis Nacionais, com responsabilidade, serenidade e determinação.
Responsabilidade, serenidade e determinação para enfrentarmos os altos índices da pobreza, do desemprego e da vulnerabilidade, a assimetria regional e o ostracismo das ilhas, o baixo nível de produtividade, de rendimento e da qualidade de vida, a excessiva partidarização da vida cabo-verdiana, a necessidade de mais cidadania local e de mais poderes de proximidade, assim como de realização das promessas do nosso sistema hoje democrático, não só em termos de representação, mas de participação. Pensar a gesta dos Heróis Nacionais é continuarmos a lutar e a fazer para que, cada vez mais e melhor, haja uma “outra terra na nossa Terra”.
Não faltarão aqueles, de entre nós, que pretendem uma visão passadista da gesta da libertação e que encaram os Combatentes da Liberdade da Pátria como algo do passado e que só importa rememorar na Semana da República ou nas celebrações da efeméride da Independência Nacional. Tantos anos sobre o desaparecimento físico de Amílcar Cabral, é nosso dever olhar para o 20 de janeiro como uma data inspiradora e despoletadora do futuro. É como este olhar crítico e prospetivo, olhar para os caminhos que nos faltam trilhar, que devemos tributar Cabral e os Heróis Nacionais.
Olhar que nos interpela a repensar o vigor democrático dos nossos partidos políticos, o potencial renovador dos nossos líderes políticos e a capacidade de engendrar novas mudanças políticas, económica, sociais e culturais por parte dos nossos cidadãos. O melhor legado, de entre os muitos importantes e mundialmente apreciados, estará o seu exemplo de viver intensa e politicamente a sua época. Gosto daquela música que diz “cada um de nós é um Cabral”, que cantava o saudoso Norberto Tavares, mas o Cabral de cada um de nós, aqui e agora, tem de enfrentar os pontos de crise e de crítica deste nosso tempo e lançar uma outra gesta de emancipação dos cabo-verdianos, em prol de mais direitos, liberdades e garantias, mais desenvolvimento harmonioso social e ambientalmente, mais descentralização dos poderes, mais autonomias locais e mais cidadania, com novos desafios de liberdade.
Vivemos estes dois últimos anos de seca extrema e de condicionamentos de produção alimentar, em que os esforços de mitigação estão longe de responder às demandas e de responder às carências. É uma realidade fatual e prática. Como pensá-la num dia como o de hoje? Vivemos soluções lentas e algumas adiadas para os problemas da Chã das Caldeiras e não podemos deixar de pensar nos desafios das novas gestas que nos aguardam. Como o de vivermos ainda sem os investimentos essenciais – em infraestruturas e serviços – para o “take-off” real da ilha do Fogo e o quanto isso nos convoca a novas lutas, mais atualizadas e adaptadas à nossa época.
Amílcar Cabral e os Heróis Nacionais dão-nos a matriz crítica que a luta não acabou e que não podemos baixar a guardar das nossas legítimas demandas e reivindicações, assim como do nosso assumir mais protagonismo no atual tempo que vivemos. Não nos podemos alienar do tempo e do espaço que vivemos e este Cabral de cada um de nós, inspirado no grande líder, ele é de aqui e de agora, motivado a enfrentar as problemáticas de hoje.
Como homem público, político e edil; como militante de um partido progressista e histórico; como cidadão cabo-verdiano que tem Cabo Verde no coração e em primeiro lugar, o meu apelo neste Dia dos Heróis Nacionais, é de identificarmos em nós, em cada um de nós, esse Cabral que não morrerá e que ainda permanece com uma grande inspiração para transformarmos Cabo Verde e realizarmos os anseios de todos os cabo-verdianos em prol da libertação, da liberdade e da prosperidade.
Honra a Amílcar Cabral e aos Heróis Nacionais.
Honra ao Dia 20 de Janeiro.”